segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Contramão

Jovem brilhante. Termina faculdade de engenharia. Participa de três entrevistas em grandes empresas, pensa qual proposta é mais interessante.

Sorri feliz. Noiva estonteante lhe faz companhia. Orgulho dos pais espera: terá festa em sua homenagem. Lembranças dos tempos de escola são agora todas felizes.

Finalmente segunda-feira. Negociações finais para emprego. Detalhes positivos o surpreendem. Completa processo e início é marcado.

Ao sair, realizado, cheio de planos se distrai. Ao pisar no asfalto é atropelado violentamente por ônibus na contramão.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Livro

Livraria. Procura livro. Seleciona um, folheia. Abandona. Nova busca. Olha detalhadamente. Cores das lombadas o fascinam. Perde-se no desfile de fantasias com alturas e larguras formando geométricos. Vê desenhos. Cria imagens improváveis.

Em viagem com formas, cores e tipos, pequena frase pisca sensualmente. Recupera-se. Procura palavras que o paqueraram. Ri. Jamais pegaria aquele. Folheia-o. Histórias curtas, com fotos em preto e branco, descrevem mortes.

Mal termina de ler primeira celular reclama. Recebe o trágico. Pai acaba de morrer vestido a rigor.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Milagre

Namorada tem acesso de raiva. Inicia briga. Suposta causa é presença de parenta, que em retiro tenta tratamento psiquiátrico. Ameaças, idas até elevador, palavrões, gritos. Foi-se.

Suposta desequilibrada tudo ouve. Espera assentar intempéries. Pede para partir, sabendo-se não querida. Ouve negativa. Crise. Choro. Se “normais” podem, todos podem.

Liga para família onde pais idosos buscam últimos tempos com alguma paz. Sabe do quase infortúnio. Aos 83, depois de ano se recuperando de AVC, pai tentou suicídio.

Pouca coisa para piorar. Espera milagre.

Jazz

Terminou reunião. Final de tarde de janeiro quente. Na saída, inda de dia, cruzou calçada de bar de jazz. Vendo a placa “OPEN”, entrou.

Mesas vazias benzidas pela meia-luz ouviam jazz de fundo. Ventilador arejava. Cada mesa com folha, folheto e cardápio. De pé retirou folheto e enquanto lia vento levou demais. Procurando percebeu cerâmica hidráulica em pequenos desenhos que riam. Folhas sob pé de cadeira. Recuperou-as. Tudo recolocado.

Loira estonteante de vestido branco entra e pergunta olhando nos olhos: “Adoro músicos. Os outros não veem?”

Amigo

Jornalista dedicado costumava ficar até tarde para fechar edição. E cuidar de amante.

Naquela noite deixou-a no carro e foi a caixa eletrônico. Estava emperrado. Insistia. Na demora percebeu esposa vindo pela calçada. Disfarçou. Ligou para amigo, pedindo para retirar carro.

Moça do carro cansada de esperar sai a sua procura.

Esposa vê carro aberto. Se espanta. Entra, esperando-o.

Esbaforido, amigo entra no carro e diz frase única sem respirar: “Vamos embora nega que a mulher dele está vindo aí!”

Paquera

Início de paquera. Praia. Pedaladas e caminhadas em mata atlântica com cheiro de terra. Bela moça sorri travessuras simples. Amizade, carinho e sexo fluem. Teve certeza: paraíso existe e é aqui.

Saem para jantar. Noite quente. Brisa. Lua cheia. Poucos clientes. Atendente com marcas de biquíni sorri sensualidade. Por um instante instinto quase o traiu.

Depois do jantar voltam à pousada e quando estão trocando carícias, batem à porta. Abre. É a atendente. Frio percorre da ponta do cabelo à sola do pé. Coração para.

Paquera sorri: “Eu convidei, tudo bem?”

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Moeda

Urbano convicto decide férias. Prefere aventura. Adrenalina. Deserto. Não atenta que cartão de crédito será plástico inútil.

Na chegada surpresas. Percebe caprichos seus ignorados. Estranha não ser bajulado.

Parada da travessia com sol escaldante. Tenta comprar água extra, pois gastara seu suprimento se molhando. Ouve singela frase: "Dinheiro não vale nada agora, água é a moeda".

Num instante de boca seca compreende próximos séculos.

Bar

Final de dia segue para bar. Ponto de encontro. Chega cedo e só encontra duas simpáticas velhinhas. Dentro do balcão higienizam copos. Os três conversam.

Cerveja servida, uma, duas. Bar inda vazio. Elas trabalham, ele bebe, todos riem. Sente-se à vontade. Pergunta detalhes, interesses.

Lembra-se de algo que gostaria de saber: “A garçonete loira, bonita, como se chama?”

Elas riem muito. Depois de pausa a primeira responde: “Cíntia. Minha filha!”

A outra: “Casada com meu filho, dono do bar”

Silêncio.

Elas perguntam: “Algo mais?”

Ele: “A conta, por favor”

Extremos opostos

Aventura. Domingo. Nascer do sol. Espreguiça e aos poucos se despe do sono. Acorda para o consciente.

Silêncio. Pouco trânsito. Fica pensando na semana. Quinta estivera em reunião. Assunto: como preservar fortunas do imposto e dar continuidade. Religião preservar fortuna. Artimanhas jurídicas. Empresas "holdings" familiares e "off-shore".

Está indo a encontro de pessoas ligadas à vida na floresta. Hábitos simples. Valores telúricos, somente. Religião preservar planeta. Oração para agradecer mãe terra.

Extremos opostos se entrelaçam. Cara ou coroa?

Manhã

Entra na cozinha inda pouco iluminada. Sol demite escuridão. Espreguiça-se.

Ritual: vasilha de aço inox recebe água até um terço. Choque água-metal rasga ouvidos, então zunido dos acendedores do fogão derruba silêncio dos dias.

Faca desliza em pão integral. Separa fatia, que recebe mel, formando geográficos estranhos. Faz companhia à xícara de chá de hibisco, que exala cheiros novos. Dupla decora cenário com vermelho intenso e marrom confuso.

Come prazeres que o seguram vivo. Toma consciência: afazeres, memórias, emoções, amores. Adeus à noite. Dia existe.